Traduzido por: Iann Zorkot
Revisado por: C4SS, Instituto Ágora, Cypherpunks Brasil
Logan Marie Glitterbomb
“Toda a teoria de Konkin fala apenas dos interesses e preocupações das classes marginais que trabalham por conta própria. A grande maioria da população é formada por trabalhadores assalariados em tempo integral; são pessoas com empregos estáveis. O Konkinismo não tem absolutamente nada a dizer a essas pessoas. Adotar a estratégia de Konkin, então, somente neste terreno, serviria como um beco sem saída para o movimento libertário. Não podemos vencer se não houver possibilidade de responder às preocupações da grande maioria dos assalariados deste e de outros países. ”[1]
E assim vai à crítica de Murray Rothbard à filosofia agorista, para a qual SEK3 deu uma boa risada antes de apontar que muitos da classe trabalhadora já estão participando de atividades contra-econômicas por não declarar toda a sua renda em seus formulários de impostos para pagar alguém por baixo da mesa para cortar a grama. Apesar disso, as críticas de Rothbard ainda são ecoadas por alguns, especialmente nos círculos anticapitalistas. Irônico, já que muitos nos círculos anarquistas anticapitalistas também participam da atividade contra-econômica na prática. No entanto, essas críticas têm algum fundo de verdade, o que leva alguns agoristas a se perguntar se o agorismo não precisa de alguma atualização. Afinal, o próprio Konkin acreditava que o agorismo era uma filosofia viva.
O agorista e jornalista Derrick Broze fala frequentemente dos conceitos de “agorismo vertical” e “agorismo horizontal” . Agorismo horizontal é o que a maioria de nós entende, tradicionalmente, como agorismo. É o uso dos mercados negro e cinza para competir com o estado, conforme descrito no Manifesto do Novo Libertário e na Cartilha Agorista de SEK3. Exemplos disso incluem negócios não licenciados, evasão fiscal, contrabando, tráfico de drogas, acolhimento de imigrantes sem documentos, tráfico de armas, ocupação ilegal e moedas alternativas. O agorismo vertical concentra-se no localismo e na autossuficiência sendo inspirado em livros como Community Power de Karl Hess. Essa prática inclui a compra de produtos em mercados de produtores e fazendas comunitárias, jardinagem em telhados, uso pessoal e comunitário de energia solar e sistemas aquapônicos, compartilhamento de ferramentas e habilidades comunitárias, apropriação original, agricultura urbana, redes de proteção comunitária e escolas gratuitas. Embora nem todas as táticas verticais sejam estritamente atividades de mercado negro ou cinza (como escolas gratuitas e mercados de agricultores), elas são contra-econômicas, pois desafiam os monopólios corporativos e governamentais e fornecem alternativas de trabalho que são, em comparação, muito mais libertárias.
Portanto, se nem todas as atividades precisam ser estritamente negras ou cinzas para serem consideradas contra-econômicas, então onde isso exclui coisas como cooperativas e coletivos de trabalhadores ou mesmo sindicalismo selvagem clássico e novas formas de trabalho alternativo? Isso não desafia o estado e o poder corporativo de maneiras significativas, colocando mais poder nas mãos do indivíduo em vez de autoridades coercitivas? O próprio Rothbard apontou que a maioria, senão todas, as corporações baseavam-se em reivindicações de propriedade ilegítimas, portanto, deveriam ser apropriadas pelos trabalhadores — os assalariados pelos quais Rothbard afirmava que o agorismo não podia fazer nada — que investiram seu tempo, trabalho e energia para administrar as operações do dia-a-dia, mas isso não é apenas uma forma de sindicalismo?
Karl Hess defendeu uma combinação de táticas como um agorista praticante — tanto vertical quanto horizontalmente — e um membro do Industrial Workers of the World, um sindicato de mais de 100 anos que oferece um desafio revigorante para o modelo sindical explorador de grupos como a AFL-CIO[2] enquanto defende táticas sindicalistas. E tais táticas parecem se complementar na teoria e, na prática, oferecendo um desafio significativo ao estado e ao poder corporativo, enquanto também cruzam as fronteiras ideológicas entre anarquistas de livre mercado e anarquistas sociais. Na verdade, muitos libertários de livre mercado, além de Hess, fizeram tais alianças com organizações e sindicatos trabalhistas alternativos.
Avançar conscientemente na construção de tais alianças pode ser bastante vantajoso. Enquanto os agoristas constroem alternativas para o mercado branco nos mercados negro e cinza, os sindicalistas poderiam se concentrar em desafiar as entidades existentes do mercado branco por dentro, eventualmente assumindo o controle como Rothbard defendia. Mas não precisa parar por aí. Os agoristas deveriam de fato defender que os sindicalistas fossem ainda mais longe. Depois que um negócio do mercado branco é sindicalizado com sucesso, os agoristas-sindicalistas devem ajudar na transição do negócio para a ágora. O negócio recém coletivizado deve eventualmente fazer o que todos os bons negócios agoristas fazem: ignorar os regimes de licenciamento estadual, se recusar a pagar impostos, se envolver no uso de moedas alternativas e, em geral, desconsiderar a interferência estatista em seus negócios. Eles acabaram de expulsar o chefe com sucesso, por que se submeter a mais uma autoridade? Eles simplesmente se livraram dos comparsas corporativos que enriqueceram roubando os frutos de seu trabalho, então por que deixar o estado fazer o mesmo através de impostos?
Para aqueles que se opõem a tais afirmações e gritam #nemtodososchefes, eu ofereço a seguinte citação de Konkin:
“Em uma sociedade agorista, a divisão do trabalho e o respeito próprio de cada trabalhador … provavelmente eliminará a organização empresarial tradicional — especialmente a hierarquia corporativa, uma imitação do Estado e não do Mercado. A maioria dos empreendimentos serão associações de contratantes independentes, consultores e outras companhias. Muitas podem ser apenas um empreendedor e todos os seus serviços, computadores, fornecedores e clientes. ”[3]
Mesmo Konkin não pôde deixar de notar a natureza exploradora da hierarquia corporativa, acreditando ser um dos restos duradouros do feudalismo e se o indivíduo fosse verdadeiramente respeitado, os chefes lentamente se tornariam uma coisa do passado. Num mercado verdadeiramente liberto, os sindicatos teriam permissão para operar assim como qualquer associação voluntária e grupos como o IWW nos mostram: de maneira sindicalizada, mas sem apelar aos favores do estado.
Ter uma ágora local estabelecida, não importa o quão pequena seja, também pode proporcionar conforto aos organizadores sindicais que regularmente temem perder seus empregos devido a suas atividades de organização. A ágora oferece aos organizadores o conforto de saber que, se forem demitidos por se organizarem no trabalho, poderão ganhar a vida fora da estrutura capitalista corporativa. Isso permitirá que os organizadores sejam mais ousados em suas ações, desafiando ainda mais a dominação corporativa. Agoristas que estão entusiasmados com as ideias de ação direta e desobediência civil podem até decidir aceitar empregos corporativos a fim de “adulterá-los” e ajudar a derrubá-los por dentro, o que, ao contrário do temido jogo político, não envolve tomar uma posição de autoridade em contradição com os princípios libertários.
Nas palavras do falecido SEK3:
“Às vezes, os termos ’livre iniciativa’ e ‘capitalismo’ são usados para significar ’livre mercado’. Capitalismo significa a ideologia (ismo) do capital ou capitalistas. Antes do surgimento de Marx, o puro defensor do livre mercado Thomas Hodgskin já havia usado o termo capitalismo como pejorativo[4]; os capitalistas estavam tentando usar a coerção — o Estado — para restringir o mercado. Capitalismo, então, não descreve um mercado livre, mas uma forma de estatismo… ”[5]
Então, por que não desafiar abertamente o capitalismo e o estado? Por que não recorrer aos exemplos combinados de Rothbard, Konkin e Hess para se inspirar em como tornar o agorismo mais atraente para “a grande maioria dos assalariados neste e em outros países”? Por que não estender a mão e formar uma aliança agorista-sindicalista?
Notas:
[1] Rothbard, Murray, Konkin on Libertarian Strategy [N.A.]
[2] A Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (do inglês American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations), conhecida por sua sigla AFL-CIO, é a maior central operária dos Estados Unidos e Canadá. Formada em 1955 pela fusão da AFL (1886) com a CIO (1935). [N.T.]
[3] Konkin, Samuel, New Libertarian Manifesto [N.A.]
[4] Na verdade, Hodgskin usava a palavra “capitalista” de forma pejorativa. Quem, provavelmente, popularizou o uso pejorativo do termo “capitalismo” foi o também defensor do livre-mercado e pai do anarquismo Pierre-Joseph Proudhon. [N.T.]
[5] Konkin, Samuel, An Agorist Primer [N.A.]
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