A União nos torna fracos

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Tradução por: Cypherpunks Brasil
Formatação e revisão: Cerjinho

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A União nos torna fracos

Eu escrevi uma resposta bastante longa ao recente artigo de Iain McKay sobre pós-esquerdismo e me pediram para republicá-la em outro lugar além do Infoshop.

Em primeiro lugar, vamos ignorar as besteiras non sequitur anti-ciência e anti-tecnologia, que não têm absolutamente nada a ver com o pós-esquerdismo. Afinal, embora existam primmies e anti-civs dentro da pós-esquerda, também há uma infinidade de transumanistas, cyberpunks e radicais amantes da internet em geral, que veem a invenção e a exploração como atos inerentemente libertadores.

Os anarquistas pós-esquerda são funcionalmente distintos dos anarquistas de esquerda em nosso desgosto e suspeita quanto à organização. Ou seja, nosso foco está na crítica à insistência pela organização como um fim em si mesma. Sim, reconhecemos que, apesar das profundas mudanças no contexto social e econômico desde os dias de outrora, ainda há trabalhadores e patrões e que vantagens muito reais podem ser arrancadas do sistema através da ação coletiva. Entretanto, consideramos que a obsessão por massa e momento como fins primários é limitante e, em última análise, autodestrutiva. Vemos anarquistas de esquerda, e a esquerda como um todo, instintivamente apegados à ideia de números como solução. Talvez isso seja principalmente uma relíquia daqueles tempos antigos em que qualquer adversário social poderia ser esmagado simplesmente jogando corpos suficientes nele, ou talvez seja uma perversão forjada por anos de doutrinação em ideais democráticos. A política moderna vê a construção de massa como a definição de sucesso – e certamente não veremos nada perto de verdadeira anarquia até que cada ser humano perceba que as relações de poder são sempre malignas – mas fazer as pessoas marcharem sob uma bandeira não é o mesmo que levá-las a uma apreciação mais profunda da natureza do poder. (Da mesma forma, as discussões sobre as relações de classe em cerca de 1917 não estabelecerão as bases para as melhores relações interpessoais que devem vir antes de qualquer projeto maior.) E ainda assim sentimos que os anarquistas convencionais de esquerda frequentemente concentram-se em colocar pessoas dentro da organização (bem como na construção da solidez da referida organização e sua marca) em detrimento desses fundamentos.

Talvez isso fosse pragmático há um século, mas hoje a massa importa muito menos. O estado, o sistema de classes, etc, são sustentados menos pela aplicação de força social bruta e mais por maquinações complicadas. Os ecossistemas de relações de poder em que estamos inseridos podem suportar grande pressão, podem lidar com a massa. A chave para vencer a guerra hoje não é a massa – não queremos ganhar a Revolução como se fosse uma eleição com outro nome – a chave é a exploração proativa e inteligente dos pontos fracos. Matar o filho da puta envolverá muito menos porrada e muito mais hacking. Não venceremos como um exército de soldados, mas como uma insurreição de generais.

Daí nosso aborrecimento com tal inclinação de se construir um senso de estrutura e massa primeiro para aplicá-lo – ou descobrir como aplicá-lo – depois. Sempre vimos o mundo que estamos construindo como um mundo ad hoc de projetos e discussões, não de organizações e federações. Nossa lição desse sonho é a percepção de que, se um projeto precisa se concentrar na estrutura e nas linhas de inclusão e exclusão para motivar a ação, então, nas palavras de um gatinho fofo, “você está fazendo errado”. A União não nos fez fortes, a União nos fez fracos. Desperdiçou nosso tempo, suprimiu nossa inovação e nos acorrentou ao pensamento de grupo.

Isso não quer dizer que somos completamente diferentes dos anarquistas de esquerda. Certamente, em alguns momentos, eles também expressaram uma leve percepção dos problemas com isso, assim como participamos de grandes federações e perdemos horas de nossas vidas em salas debatendo documentos de processos. Mas mesmo que seja apenas uma questão de grau, na prática essa diferença de opinião/desejo/estratégia ainda é uma distinção importante.

E, se nos for permitido fazer essa distinção, vale a pena notar que nossa perspectiva está em desacordo com a natureza histórica predominante da esquerda. Ou, no mínimo, da esquerda fora do anarquismo. Então, por que não definir a esquerda em termos de adoração à massa e à estrutura e nos posicionarmos fora disso?

“Não seria o clima político americano, que demoniza o ‘socialismo’ (em todas as suas formas, geralmente equiparando-o ao stalinismo), um clima ao qual eles estejam se ajustando?”

E por que não deveríamos?!

Deixando de lado o presunçoso chauvinismo britânico de Iain nesta citação, vale a pena se perguntar por que diabos alguém deveria querer continuar lutando uma guerra definicional sobre “A Esquerda”. A polaridade esquerda-direita na política mudou dramaticamente ao longo da história e está fundamentada em uma obscuridade quase sem sentido. Havia gente do livre mercado radical de comportamento pior do que o pior ancap hoje que se sentava à esquerda da cadeira do presidente. Pior ainda, a distinção revolucionária entre “esquerda e direita” era, na mente popular, considerada uma distinção entre ação e teoria. Certamente nenhum de nós quer se acorrentar a uma dessas coisas em detrimento da outra.

Sim, nos Estados Unidos “A Esquerda” é amplamente associada ao socialismo autoritário e ao paternalismo… assim como no resto do mundo. Mesmo que os efeitos devastadores da influência da União Soviética possam ser superados na mente do público, essa não é uma batalha que a maioria dos anarquistas ao redor do mundo está travando. Em grande parte da América Latina e da Europa Oriental, os anarquistas abandonaram completamente a autoidentificação como esquerdistas. Europa Ocidental é mais complicado, mas há muitos anarco-sindicalistas que se recusam a se chamar de esquerda. Números semelhantes, embora não inteiramente sobrepostos, de pessoas abandonaram o termo “socialismo”. De fato, em escala global, as Ilhas Britânicas parecem ser as únicas a fazer grande alarde sobre isso.

Sim, há uma história importante a ser considerada. Pessoas que se opuseram às mesmas coisas que nos opomos, mas trabalharam na esquerda mesmo assim, porque era o único caminho possível naquela época. Mas as coisas mudaram e o exemplo do restante da esquerda e do socialismo, muito menos sua influência, tornaram-se blocos de concreto em nossos pés. Brigamos pela definição da palavra “anarquia” porque somos forçados a isso. Porque an-arquia possui uma definição etimológica clara que nunca perderá, e temos uma avaliação drasticamente diferente de “sem governo”. Vamos ter que morrer naquela colina, não importa o quão estrategicamente inoportuno. Mas “social - ismo”, muito menos “esquerda”, são palavras fluidas e totalmente arbitrárias. Eles são definidos pelo que estão associados. E essa é uma companhia terrível.


Fonte: http://humaniterations.net/2009/04/13/the-union-makes-us-weak/


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